Fausto Ferreira
7 Outubro

A terceira noite de festival foi a mais musical até agora, mas não faltaram momentos cómicos principalmente com o Mozart Group. O nome poderia sugerir um concerto sério e enfadonho, mas desenganem-se os mais cépticos. Não há adjectivos que cheguem para qualificar o concerto deste grupo polaco. Excelente. Incrível. Inacreditável. Fantástico. Fenomenal. Hilariante. São alguns que podemos usar, mas o mais acertado será indescritível. Por isso, perdoem-me os leitores se não conseguir fazer jus ao que se passou na noite passada.
Começando com as Quatro Estações de Vivaldi de um modo sério, logo um dos músicos começa a abandalhar usando um chapéu de cowboy e dando um lamiré do que seria o resto da noite. Na mesma senda, e à segunda Estação que tocaram, outro músico usa um chapéu de rabino e umas tranças falsas para ajudar à comédia.

MozART Group © André Brandão

A música dita erudita foi uma constante e além de Mozart e Vivaldi, houve tempo e espaço para Tchaikovsky, Chopin, Haydn, Beethoven entre outros. Quando tocaram A morte do Cisne, olharam para o céu à procura do cisne enquanto se ouvia o grasnar de um cisne. Continuando no mundo animal, imitaram o roncar de um porco com o violoncelo antes de apresentarem uma das várias versões de Für Elise, cada qual mais divertida e estranha que a outra. A primeira foi tocada com uma das mãos no bolso e a segunda, bem, vou deixar para o fim pois foi o momento apoteótico final. Tão depressa tocavam Beethoven como passavam para La Bamba, dançando alusivamente obtendo o maior aplauso da noite (até ao momento). Ou para o tema do filme Titanic, com uma coreografia muito bem sincronizada. Durante este tema, os músicos moviam-se simulando o movimento de uma onda. Com a mesma velocidade voltavam a Vivaldi simulando uma corrida de carros que terminou com We are the Champions. Mas a música erudita não fugia, e o público pôde assistir ao Concerto de Aranjuez de Rodrigo com o quarteto a tocar os seus violinos, viola e violoncelo como se guitarras fossem. Aproveitando o momento guitarra, Stairway to Heaven dos Led Zeppelin foi o interlúdio para uma música mais perto do heavy metal que levou a um pedido de desculpas em bom português: “Hoje troquei os versos”.
Na passagem para a música britânica, trocaram de posições já que os britânicos conduzem ao contrário. O All you need is love passou a All you need is Bond com um dos músicos a vestir-se a rigor e a anunciar My name is… Haydn, Joseph Haydn. Seguindo os preceitos ingleses, interromperam o I can’t get no satisfaction porque eram 17h ou seja tea time. Num crescendo de intensidade e comicidade, para o fim estavam reservados ABBA, Bizet, Elvis Presley, Michael Jackson e Beethoven de novo. Com os ABBA, vimos os dois violinistas a atravessarem o palco com calçado luminoso e com rodas. A Carmen de Bizet foi tocada em versão quarteto de cordas mais ping pong. Um dos violinistas usava a mão livre para acompanhar a música de forma síncrona com uma raquete e uma bola de ténis de mesa. Elvis Presley foi reinventado com o barulho de um balão a esvaziar. Beat it de Michael Jackson teve a letra alterada para um elogio a Mozart mas o violinista dançarino esteve ao nível de Jackson. E para acabar, o momento rock da noite. Violino eléctrico com distorção, músico a perguntar ao público “Are you ready?” antes de dizer “Elisa, é para ti” e começar a tocar uma versão mais pesada de Für Elise, com as luzes principais a serem apagadas, luzes discoteca a acompanhar, estantes a voarem, etc.

MozART Group © Mário Abreu

Quando voltaram para o encore, todos os músicos vinham engessados denotando os efeitos da última música demolidora. Mesmo assim, tocaram. O violoncelista com os dois braços engessados, abanava o violoncelo com o joelho. Outro dos músicos que tinha dois braços engessados segurava os arcos enquanto os violinistas que tinham apenas um braço inutilizado usavam o braço livre para fazer passar o violino no arco que o primeiro segurava. A música escolhida para este primeiro encore não podia estar mais de acordo com a situação: Always look on the bright side of life. Ao segundo encore, escolhem um membro do público para cantar com eles O sole mio. E ao terceiro, tornam-se músicos sérios e demonstram todo o seu virtuosismo voltando a Vivaldi. A perfeição dos executantes combina com a perfeição de todo o espectáculo. Uma excelente sincronização e execução exímia de tudo o que foi meticulosamente preparado proporcionaram um espectáculo que vai ficar nos anais do FOGO e na memória de todos os espectadores que esgotaram a sala.

Fanfarra Kaustika © Mário Abreu

Num registo completamente diferente, o punk filarmónico da Fanfarra Kaustica animou as hostes durante o resto da noite. Um grupo constituído por músicos do concelho, esta foi a estreia da vertente local neste FOGO. Abriram em força entrando pela zona do bar e tocando uma música bastante conhecida (Moliendo Café) logo no início. Os 12 membros do grupo estavam fardados a rigor, todos vestidos de preto e com o palco engalanado adequadamente com o símbolo da Fanfarra exposto de alto a baixo. Com 9 sopros e 3 artistas na percussão, esta “small big band” cheia de energia contagiou os presentes principalmente aqueles que estavam de pé a dançar. Muitas cadeiras foram retiradas para dar mais espaço à animação e era difícil destrinçar quem tinha mais energia: se público se músicos. Pelo meio, os músicos confessaram que o seu filme preferido era “Este país não é para velhos” para logo a seguir fazerem um agradecimento especial à juventude sadia de 60 anos que resistia até àquela. A boa disposição manteve-se até ao final e quando chegou à apresentação dos músicos, os músicos cumprimentaram-se entre eles como se estivessem a ser apresentados. Perto do final, a Fanfarra tocou o inconfundível Manu Chao mesmo antes de acabar a tocar de novo no bar.
O d’Orfmind Sound System acabou a noite com duas novidades: uma grafonola que não serviu só de decoração e um theremin home-made que fez as delícias dos presentes.

d'Orfmind © André Brandão