1. A d’Orfeu - Associação Cultural, não bastando o percurso difícil de consolidação das suas propostas culturais em Águeda, conhece desde a sua fundação, em 1995, um convívio instável com a autarquia. Hoje, vê-se alvo de manifestações de repúdio por parte da mesma, após ter publicamente protestado pela indefinição, primeiro, e insuficiência, depois, do apoio municipal a esta associação em 2002.

2. A autarquia foi a primeira e mais privilegiada instituição em Águeda a ter acesso, desde Outubro de 2001, a toda a informação e documentação sobre o ano cultural de 2002 da associação, sentados o coordenador da d’Orfeu, o Senhor Presidente da Câmara e a Senhora Vereadora da Cultura, várias vezes à mesa do gabinete da Presidência da Câmara Municipal. Nas reuniões mantidas nos dias 16 Outubro 2001, 27 Dezembro 2001 e 27 Março 2002, foram aqueles autarcas informados e documentados sobre:
a) o ano cultural de 2002 da associação e a sua programação;
b) os substanciais apoios exteriores do Estado garantidos pela própria d’Orfeu;
c) a realização de um festival temático chamado “Cimeira do Fole” que faria passar por Águeda os maiores nomes mundiais ligados a um instrumento cuja nova projecção se associa hoje claramente a Águeda;
d) a realização, agora anual, do festival O Gesto Orelhudo e portanto a convivência de dois festivais de diferentes temáticas no mesmo ano;
e) a semi-profissionalização decisiva da estrutura humana da associação;
f) o enriquecimento constante do parque de equipamentos da associação;
g) o incremento da circulação nacional dos espectáculos d’Orfeu;
h) a formação permanente que ministra na área das músicas tradicionais, num contexto pedagógico pioneiro em Portugal;
i) a disponibilidade assumida para a animação cultural do concelho em parceria com escolas, colectividades, outros grupos e mesmo com organismos oficiais;
j) o envolvimento de inúmeros jovens em actividades que vão das ocupacionais às artísticas;
k) a mobilidade internacional da d’Orfeu que coloca Águeda no mapa europeu de muita gente e que proporciona a muitos jovens aguedenses uma vivência europeia regular;
l) a emergência de condições e infra-estruturas capazes para o desenvolvimento de todas estas actividades;
m) e o potencial humano e de conhecimento da associação que garante a maior parte da sua capacidade de realização com poucos recursos, traduzidas num orçamento financeiro de cerca de 60.000 contos, no qual a margem de desperdício é mínima.
Espanta-nos assim que o Senhor Presidente da Câmara refute as nossas manifestações de desconforto, tendo em conta a indefinição voluntariamente protelada, meses a fio, com que a autarquia brindou a d’Orfeu neste último semestre de intensa e profícua actividade cultural, aliás publicamente acarinhada.

3. A Câmara Municipal sentiu-se desconsiderada, em comunicado do dia 3 de Julho, por não constar do rol de apoios oficiais da presente programação do “Julho na d’Orfeu”, para mais, invocando o apoio do ano anterior...!

É que o ano 2002 vai já alto e:
a) ficou sem resposta o pedido de apoio financeiro para a programação do dito “Julho na d’Orfeu”, perante um encargo estimado em 55000 Euros;
b) manteve-se indefinido e protelado, durante seis meses, o valor do apoio municipal para 2002;
c) uma vez divulgado, o dito apoio (12500 Euros) representa cerca de 4% do orçamento da associação;
d) ficaram por contemplar pedidos de apoio à aquisição de uma viatura de 9 lugares, por um lado, e de equipamento de som e luz, por outro, num total de investimentos na ordem dos 13.000.000$00;
e) está por responder um pedido de esclarecimento sobre os critérios invocados para a ausência de apoio municipal a duas representações da d’Orfeu em Praga (República Checa), no Khamoro Festival e na Escola Cigana de Verão;
f) e foi pela Câmara Municipal indeferida a instalação de baixadas eléctricas no Espaço d’Orfeu para este mês de iniciativas (o que aconteceu pela primeira vez em sete anos de realizações da d’Orfeu em Águeda e sem qualquer justificação apresentada). Este facto implica “só” que os custos com aluguer e instalação de quadros e com consumos de electricidade estão, pela primeira vez, a ser suportados pela associação numa iniciativa pública.
A menção da Câmara Municipal no rol dos “outros apoios” acontece pelo mero apoio logístico prestado (desbastação da vegetação do espaço, reparações na calçada, concessão de licença com horário extraordinário e transporte e/ou cedência de diversos materiais e equipamentos), o que é manifestamente equivalente a tantos e tantos apoios logísticos prestados por outros organismos, empresas e particulares, bastantes dos quais nem sequer mencionados.
Mais dúvidas não podem restar sobre a notada ausência da autarquia no rol dos apoios oficiais à actividade d’Orfeu em 2002, parcial ou global, dentro dos quais se reclama, mas onde não parece fazer questão prática e efectiva de aí figurar.

4. O comunicado de 3 de Julho da Câmara Municipal de Águeda, na ânsia de proclamar apoios á associação, chega a cometer o lapso imperdoável de referir o fornecimento de refeições na cantina municipal, quando não há memória, desde 1999, de um prato de comida oferecido pela autarquia aos comensais enviados pela associação à cantina municipal. Todos os pedidos de refeições sem encargos foram até hoje indeferidos e todas as refeições regulares ali tomadas são pagas pela d’Orfeu. O último pedido de fornecimento de refeições, que solicitava uma parte mínima (350) das cerca de 2000 refeições que a d’Orfeu deve garantir durante estas iniciativas de Julho, foi também indeferido.

5. Na insistência de fazer crer nos mundos e fundos que aplica na dOrfeu, comete ainda a Câmara Municipal o erro grosseiro de elencar, no seu comunicado, uma série de pagamentos de serviços solicitados pela autarquia como se de subsídios se tratassem. A saber:
a) espectáculo inserido na Assembleia Municipal comemorativa do 25 de Abril - Andamento (250 Euros);
b) presença na Expo-Regiões - espectáculo Os CantAutores (500.000$00);
c) e participação na recepção à comitiva de Sint-Gilis Waas - espectáculo Toques do Caramulo (100.000$00).
Grosso modo, tratou-se de pagamentos de despesas fixas com essas actuações, num contexto de prestação de serviços, evitando até que fosse a autarquia, enquanto promotora, a assegurá-los com custos bem mais elevados.
Também a menção à participação da d’Orfeu no dia europeu sem carros (150.000$00) enferma de oportunismo de circunstância, uma vez ter-se tratado de uma proposta de mais-valia para um programa promovido pela Câmara Municipal, com um alívio parcial diminuto das despesas da d’Orfeu com o concerto do trio de Pedro Jóia, promovido nessa ocasião municipal.
Somadas estas verbas, a Câmara Municipal subverte em cerca de 4000 Euros (aproximadamente 800.000$00) o valor dos subsídios atribuídos.

6. A autarquia, no seu comunicado, desafia ainda a d’Orfeu a divulgar os valores dos restantes apoios oficiais e mecenas, querendo comparar-se a eles, duvidando mesmo daquilo mesmo que conheceu documentadamente, desde o final do ano passado, nas reuniões conjuntas realizadas na Câmara Municipal.
Sabendo e lembrando que:
a) o IPAE / Ministério da Cultura financia a actividade global da d’Orfeu em 2002 com uma subvenção de 15.000.000$00 onde se incluem os encargos com a Cimeira do Fole e que a esse montante acrescem mais 5.194.000$00 de subsídio para a realização da 3ª edição do Festival O Gesto Orelhudo em Outubro próximo;
b) a associação tem aprovada mais uma subvenção de 9.793.435$00 para aquisição de equipamento de som e luz, através do Programa Operacional da Cultura, portanto perfazendo-se um total estatal a rondar os 30.000.000$00 de financiamento;
c) a Comissão Europeia, através do Programa Juventude, financia o acolhimento em Águeda do intercâmbio multiartístico d’Orfusão com uma subvenção total de 32400 Euros;
d) os apoios de outros organismos como o Instituto Português da Juventude ou o INATEL somam cerca de 2.000.000$00 de apoio financeiro em 2002;
e) a Delegação Regional da Cultura do Centro suportou os custos de aquisição e de formação de gaita de foles que abriu este mês na d’Orfeu, num montante de 2500 Euros;
f) as 8 (oito) empresas mecenas da d’Orfeu em 2002 (M. Rodrigues SA, Coutinho & Coutinho Lda, Lusotelha, Gráfica Ideal, Opticel/Optimus, Rall, Aníbal Pires Lda e Pecol) financiam a actividade da associação em cerca de 4.200.000$00 no seu conjunto;
g) e uma percentagem considerável do volume orçamental da associação resulta da capacidade de auto-financiamento através das suas iniciativas e actividades múltiplas;
não tem fundamento a indignação pelo facto de a autarquia constar no fundo da lista de apoios da d’Orfeu.

7. Perante os motivos apresentados, não aceitamos a insinuação grave do Senhor Presidente da Câmara ao dizer que a d’Orfeu pretende que a autarquia pague todas as suas despesas. Não haverá concerteza no concelho associação com maior capacidade de auto-iniciativa e auto-financiamento que a d’Orfeu.
A associação mais não tem que vindo a lançar à Câmara Municipal, o desafio de esta se aproximar dos apoios afectados à d’Orfeu pelo Estado, apelando a uma participação autárquica no orçamento da associação que seja decisiva para a consistência da sua acção cultural regular. Desde que assumida uma parceria efectiva da autarquia com a associação, seria completamente justo um suporte financeiro municipal na ordem dos 25% do orçamento da d’Orfeu, a título da mais-valia cultural que daí pudesse frutificar para o concelho. Ora, com os 12500 Euros que a Câmara Municipal fez aprovar à pressa antes da nossa conferência de imprensa, estamos a falar de 4% (quatro por cento) de participação da autarquia no bolo global do que representa a actividade da d’Orfeu em Águeda. Quer isto dizer que hoje, é a própria associação a responsável por mobilizar os restantes - pasme-se - 96% do financiamento que suporta as suas actividades.
São aqueles fundos públicos canalizados para Águeda pela acção de uma associação local, sem que a autarquia os legitime, o que implicará a futura perca deste tipo de apoios para outros municípios onde outras instituições, aí sim, contem com o apoio efectivo das suas autarquias para a afectação de dinheiros estatais da tutela da Cultura para os seus concelhos.

8. Para que não restem dúvidas sobre a aplicação dos dinheiros públicos afectos à d’Orfeu em 2002, a d’Orfeu - Associação Cultural disponibiliza a consulta pública de toda a sua documentação contabilística, organizada que está de acordo com o P.O.C. e sob a supervisão de um gabinete de consultadoria. Todos os apoios públicos atribuídos são objecto de despachos oficiais, pelo que os respectivos organismos podem igualmente confirmar a atribuição desses apoios. Muitos deles são, inclusivé, publicamente divulgados em jornais de tiragem nacional ou mesmo em Diário da República.
Igualmente disponível se encontra toda a documentação e correspondência trocada com a edilidade (que lembramos ter sido presente aos jornalistas, na conferência de imprensa de 4 de Julho), por forma a situar e a demonstrar a passividade da autarquia na definição de um apoio anual solicitado desde Outubro e definido apenas em Julho, por força da nossa manifestação pública de desagrado.

9. Por outro lado, acaba por assumir definitivamente o Senhor Presidente da Câmara o seu “fantasma” político em relação à d’Orfeu, querendo fazer crer, nas suas declarações, que uma manipulação existe para fazer oposição à Câmara Municipal.
Os méritos da d’Orfeu foram e são feitos do calor das suas propostas e do despretenciosismo de se querer relacionar com todos, sabe Deus com que respostas. Por outro lado, deparamo-nos com a aparecimento sistemática de obstáculos, normalmente a reboque de algum pioneirismo dos nossos métodos de serviço cultural em Águeda. Os últimos tempos, então, foram pródigos em contradições, incoerências e na imposição de regras, do mais desusado que há, no que toca a apoios culturais, com critérios avulsos que só nivelam por baixo e não estimulam nada nem ninguém. A pensarem assim o Senhor Presidente da Câmara e os seus pares, temos razões para pensar que a opção será sempre a de cercear todas as tentativas de inovação e mais-valias. Neste cenário, quem mais faça mais é penalizado e desincentivado. Isto é dado concreto!

10. Ao anunciar e ao aprovar em dois dias o subsídio de 12500 Euros para o ano de 2002, a Câmara Municipal provou que, no que toca à d’Orfeu, afinal é por pressão que funciona. Tristemente, não temos ainda exemplos de reconhecimentos municipais verdadeiros e os apoios municipais conseguidos não aconteceram nunca por auto-iniciativa de quem decide.

11. Reafirmando e demonstrando aqui como a autarquia evita apoiar esta associação, com posições e decisões que representam verdadeiro DESAPOIO OFICIAL, a d’Orfeu - Associação Cultural reivindica o reforço adequado do subsídio de 12500 Euros ora aprovado pela autarquia, esperando uma redefinição desse montante a breve prazo.
Não podemos sujeitar o nosso esforço a um apoio que representa 4% do trabalho cultural da d’Orfeu em benefício directo da cidade e dos munícipes.


Águeda, 18 de Julho de 2002